A estranha mulher que não pode ser presa e que vive numa mansão abandonada em SP
A história de Margarida Bonetti viralizou nas redes sociais nos últimos dias após ser contada em um podcast do jornalista Chico Felitti, da Folha de S.Paulo. Chamada de “a mulher da casa abandonada”, a brasileira que mora em Higienópolis, bairro nobre de São Paulo, é, na verdade, uma foragida do FBI, departamento de polícia dos Estados Unidos. As informações que vocês irão lê agora é do site Pragmatismo Político. Entenda o motivo dela não poder ser presa:
Ela e o marido, Renê Bonetti, são acusados de manter a empregada doméstica no porão da casa em que viviam nos EUA, sem salário nem auxílio médico, sofrendo agressões e impedida de deixar o local por duas décadas — entre a década de 1970 e a virada dos anos 2000. A vítima conseguiu fugir enquanto o casal fazia uma viagem para o Brasil.
Enquanto o marido foi condenado a seis anos e meio de prisão nos Estados Unidos e teve que pagar indenização uma indenização de U$ 210 mil, Margarida fugiu definitivamente para o Brasil e acabou não sendo julgada.
A aparência de Margarida Bonetti é um dos maiores mistérios da internet. Moradora da mansão em decadência há 20 anos (quando retornou ao Brasil), poucos vizinhos relatam já ter visto o rosto da mulher sem a camada de pomada branca que ela usa diariamente.
Não se sabe o porquê de Margarida Bonetti passar a pomada ou creme na face. Ela mesma já falou para alguns funcionários dos prédios vizinhos que tem um problema de pele e, por isso, usa o creme. Porém, não há confirmação do fato, já que algumas pessoas já a viram sem o creme e diz que ela não tem nenhuma lesão aparente na pele.
Nas poucas fotos de Margarida Bonetti atualmente que estão disponíveis na internet, tiradas por curiosos que a avistaram na rua ou na janela da sua casa, a mulher aparece com uma espécie de máscara facial branca ou prateada de creme.
Margarida conviveu por alguns anos na mansão com a própria mãe, que morreu alguns anos depois. Depois que a mãe faleceu, em 2011, a residência deixou de ser cuidada e ganhou os traços de casa abandonada que tem hoje.
Após cumprir pena em uma prisão federal nos EUA, o engenheiro eletrônico Renê Bonetti vive hoje em liberdade e é diretor na Northrop Grumman Corporation, uma empresa que presta serviço à Nasa.
A doméstica escravizada
No final da década de 1970, Margarida e Renê se casaram no Brasil e decidiram se mudar para os EUA, levando com eles a empregada doméstica, uma mulher brasileira analfabeta, que antes trabalhava na casa dos pais da mulher e foi dada como “presente” ao casal.
A mulher foi mantida pelo casal sem receber pagamento pelo seu serviço, sem direito a folgas e férias e sendo vítima constante de agressões e humilhações.
Em um dos episódios de violência, Margarida chegou a jogar uma panela de sopa quente no rosto da vítima, que era obrigada a trabalhar das 6h às 22h. Nas ocasiões em que ela foi lesionada, teve atendimento médico negado apesar de fraturas e ossos quebrados.
A situação só chegou ao fim quando a vítima conseguiu fugir durante uma viagem de férias do casal. Ela recebeu ajuda de uma vizinha, que deu abrigo e denunciou a situação à polícia. Enquanto as autoridades policiais investigavam o caso, ela ficou escondida durante dois anos em uma igreja da cidade.
Atualmente não há registro de onde esteja a vítima, mas, de acordo com a vizinha, ela está bem e vive legalmente em território americano recebendo uma pensão do governo. Foi graças ao caso da empregada que o congresso americano alterou as regras em relação aos crimes de escravidão cometidos contra pessoas estrangeiras.
Margarida Bonetti não pode ser presa?
Segundo Alexys Campos, advogado de direito penal, ainda que se saiba onde Margarida está, “a mulher da casa abandonada” não poderá ser presa pelo FBI, pois apenas autoridades brasileiras têm jurisdição para executar a lei penal no país e qualquer ação para sua captura seria uma violação da soberania.
“A intervenção de autoridades estrangeiras respeita uma série de acordos internacionais, condicionados também às leis nacionais. Nesse raciocínio, qualquer ‘intervenção’ de autoridade estrangeira depende de colaboração com o Poder Judiciário brasileiro.”
Apesar disso, nesse caso específico, o especialista explica que o ponto não é a capacidade de colaboração pelos canais oficiais, mas sim o fato de que, pela Constituição, o Brasil não extradita brasileiros natos. Dessa forma, mesmo pedidos formais de extradição para execução da pena no exterior costumam ser negados.
Segundo o advogado, a alternativa seria pedir ao Brasil que ‘entregue’ a acusada para cumprir a pena, já que a extradição é vedada pela Constituição.
“Ainda que o brasileiro não seja extraditado, existem mecanismos processuais e de cooperação internacional que permitem homologar sentença estrangeira no Brasil, para a reparação de dano e outros efeitos cíveis, além de medidas de segurança. Mesmo nessa hipótese, a reclusão não seria legalmente possível”, completa Alexys Campos.
“O crime foi cometido em território americano. O trabalho análogo à escravidão foi tipificado nos Estados Unidos, então, pelo princípio da territorialidade, a reclusão deveria ocorrer lá.”
Desse modo, outra hipótese para processar Margarida pelo crime seria o interesse do Estado brasileiro na condenação da acusada, promovendo uma nova ação penal, um processo iniciado do zero, por aqui.
“Nessa situação, mesmo que a infração tenha sido cometida no estrangeiro, estaria sujeita à aplicação da lei brasileira com possibilidade de execução da lei penal.”
“Turismo”
O caso repercutiu tanto nas redes que a casa abandonada acabou se tornando uma espécie de ‘ponto turístico’ em São Paulo. Páginas criadas por fãs acumulam-se no Instagram movidas por curiosos que tentam reunir mais informações sobre a mulher e seu estilo de vida.
“É compreensível que as pessoas tenham curiosidade de conhecer a casa e saber que mulher é essa da história. As coisas saíram do controle e, ao mesmo tempo que gera curiosidade, há também uma revolta”, diz a jornalista Aline Ramos.
“O que me causa estranhamento é que as pessoas tratam como se fosse uma temporada de ‘Stranger Things’. Falta consciência sobre o que se trata a história, que é para a gente refletir sobre a sociedade em que vivemos”, acrescenta.