Morre Sidney Poitier, primeiro ator negro a ganhar o Oscar, aos 94 anos
O ator e cineasta bahamense-americano Sidney Poitier morreu aos 94 anos. A informação foi confirmada pela secretaria de comunicação das Bahamas nesta sexta-feira (7), embora a causa da morte ainda não tenha sido divulgada.
Com uma carreira de mais de sete décadas, Poitier ganhou notoriedade ao se tornar o primeiro ator negro a vencer um Oscar, numa época em que os Estados Unidos ainda tinham várias leis de segregação racial e em que Hollywood pouco se importava com a diversidade nas telas. O prêmio, de melhor ator, foi pelo filme “Uma Voz nas Sombras”, de 1963.
Nele, Poitier viveu um faz-tudo que ajuda um grupo de freiras que quer construir uma capela no meio do deserto. A direção foi de Ralph Nelson.
O Oscar de melhor ator veio 25 anos depois de Hattie McDaniel se tornar a primeira negra a vencer uma estatueta de atuação, por “…E o Vento Levou”. Mesmo com os esforços por representatividade em Hollywood encabeçados por McDaniel e Poitier, no entanto, foram necessárias mais duas décadas até que outro ator negro vencesse o troféu mais cobiçado da indústria.
Antes de fazer história ao ganhar o Oscar de melhor ator por “Uma Voz nas Sombras”, Poitier já havia quebrado uma barreira enorme, quando se tornou o primeiro negro a ser indicado à categoria de melhor ator, pelo longa “Acorrentados”, de 1958.
Tanto “Acorrentados” quanto “Uma Voz nas Sombras” renderam a Poitier o prêmio de melhor ator no Festival de Berlim e, entre os dois títulos, ele estrelou o musical “Porgy & Bess”, “O Sol Tornará a Brilhar”, “Paris Vive à Noite” e “Tormentos D’Alma”.
Mas foi após ganhar o homenzinho dourado que sua carreira de fato deslanchou. Numa década que viu o movimento pelos direitos civis ganhar força nos Estados Unidos, Poitier estrelou diversas tramas que denunciavam o racismo presente na sociedade da época.
São dos anos 1960, por exemplo, os filmes “Adivinhe Quem Vem para Jantar”, de Stanley Kramer, em que Poitier viveu o namorado negro de uma moça branca, na noite em que é apresentado aos pais preconceituosos dela, e “No Calor da Noite”, de Norman Jewison, que venceu cinco estatuetas do Oscar ao acompanhar um policial negro que investiga um assassinato no sul dos Estados Unidos.
Ainda nos anos 1960, o ator esteve em outros filmes importantes, como “A Maior História de Todos os Tempos”, “Uma Vida em Suspense”, “Quando Só o Coração Vê” e “Ao Mestre, com Carinho”, que encantou toda uma geração com sua música tema melosa e cativante.
Na década seguinte, Poitier integrou o elenco de “Noite sem Fim”, “O Estranho John Kane”, “A Organização” e “Conspiração Violenta”.
Ele ainda se lançou como cineasta, dirigindo e atuando em “Um por Deus, Outro pelo Diabo”, “Dezembro Ardente”, “Aconteceu num Sábado”, “Aconteceu Outra Vez” e “Os Espertalhões”. Na nova função, não obteve tanto prestígio quanto o que teve como ator.
Mesmo assim, ele passou a primeira parte dos anos 1980 ocupando apenas a cadeira de direção, nos filmes “Loucos de Dar Nó”, “Hanky Panky, Uma Dupla em Apuros” e “Ritmo Quente”. Seu último trabalho como cineasta foi em “Papai Fantasma”, de 1990, que surfava na popularidade do comediante Bill Cosby, hoje caído em desgraça após uma série de acusações de estupro.
Ele voltou a aparecer diante das câmeras no fim dos anos 1980, em “Atirando para Matar” e “Espiões sem Rosto”, num momento já de declínio da carreira. Na década de 1990, se dedicou em grande parte à televisão, atuando nas séries “Separados, Mas Iguais” e “Caçada Brutal” e nos filmes para a TV “Ao Mestre, com Carinho 2”, “Mandela e De Klerk” e “Rumo à Liberdade”.
No período, seu trabalho mais relevante foi em “O Chacal”, de 1997, filme de ação que também teve Richard Gere e Bruce Willis no elenco. Sua última aparição nas telas foi em “Construindo um Sonho”, um melodrama sobre um homem que lida com a perda da esposa, de 2001.
Apesar da aposentadoria precoce, Poitier permanecia uma das figuras mais adoradas de Hollywood, não apenas pelas mudanças que trouxe para a indústria, mas também por seu carisma e a voz marcante. O afastamento do cinema veio principalmente devido a ambições políticas do ator, que chegou a ser embaixador das Bahamas no Japão entre 1997 e 2007.
Nascido de forma prematura em Miami, no estado americano da Flórida, em 1927, Poitier era filho de comerciantes de tomates das Bahamas, que com frequência faziam a rota entre o país caribenho e os Estados Unidos. Foi numa dessas viagens que Poitier nasceu, inesperadamente, o que levou sua mãe a se consultar com uma vidente.
Em uma de suas autobiografias, “Uma Vida Muito Além das Expectativas”, Poitier falou sobre a ocasião em que a mulher previu que o ator cresceria e viajaria “por quase todos os cantos do mundo”. “Caminhará ao lado de reis. Será rico e famoso”, ainda teria dito a vidente, de acordo com a obra publicada no Brasil em 2010.
Poitier teve uma infância pobre e simples nas Bahamas. Quando era adolescente, ingressou no Exército para fugir do frio e da fome. Depois trabalhou como lavador de pratos por anos, até ter seu destino desviado por uma seleção de atores.
Ele diria mais tarde que foi muito mal no teste, como já esperava que aconteceria. Mas a dispensa pelo produtor só fez com que ele ficasse mais determinado a entrar no meio artístico.
Ele fez seu primeiro filme, “O Ódio É Cego”, com 23 anos, e recebeu cerca de US$ 3.000 pelo papel. Com a “pequena fortuna”, voltou para a casa dos pais pela primeira vez em oito anos, quando sua mãe, sem notícias, pensava que ele tinha morrido.
Depois do Oscar que venceu por “Uma Voz nas Sombras”, Poitier não foi mais indicado ao prêmio. Mas ganhou, em 2002, uma segunda estatueta, honorária, por “seus trabalhos extraordinários e sua presença única nas telas, e por representar a indústria com dignidade, estilo e inteligência”.
Além do Oscar, outros prêmios pelo conjunto da obra que Poitier recebeu incluem um Bafta, um troféu do Instituto Americano de Cinema, um SAG e o Cecil B. DeMille, oferecido pelo Globo de Ouro.
O primeiro-ministro das Bahamas, Chester Cooper, prestou tributo a Poitier. “Entrei num conflito de sentimentos, de tristeza e celebração, quando descobri que Sidney Poitier tinha morrido”, disse ele.
“Me senti triste porque ele não estaria mais aqui para dizermos o quanto ele é importante, mas celebrei o tanto que ele fez para mostrar que aqueles que têm as origens mais humildes podem mudar o mundo. Perdemos um ícone, um herói, um mentor, um guerreiro, um tesouro nacional.” Fonte: Folha de São Paulo.