Com demora para julgamento do Marco Temporal, conflito se acirra entre indígenas e fazendeiros na Bahia
Gustavo Conceição da Silva nasceu em 2008, na Terra Indígena de Comexatibá, no extremo-sul da Bahia. O menino, indígena pataxó, cresceu na área entre fazendas, plantações de manga e praias. Não sabia que um julgamento feito em 2009, logo após seu nascimento, mais tarde interferiria na própria vida — tirada no último dia 4.
O julgamento da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, foi parar no Supremo Tribunal Federal por causa de conflitos entre indígenas e arrozeiros. Os ministros do STF decidiram que a terra pertencia aos indígenas, uma vez que já estavam lá quando foi promulgada a Constituição Federal. Recentemente, o período passou a ser chamado de “Marco Temporal”.
Foi apenas em 2019, quando Gustavo já tinha 11 anos, que o assunto do Marco Temporal voltou à tona, assombrando todas as terras indígenas em fase de homologação. Mesmo com a demarcação publicada no Diário Oficial, as TIs [Terras Indígenas] de Comexatibá e Barra Velha, no extremo-sul do estado, tiveram seus processos suspensos para aguardar um novo julgamento do STF.
“Com a demora e a morosidade do estado brasileiro de demarcar a terra indígena, as comunidades vêm fazendo as retomadas — aqui na TI de Comexatibá são 28 mil hectares, em Barra Velha são 52 mil hectares, e nós somos um povo só”, conta um dos parentes de Gustavo, que preferiu não se identificar. Junto a ele, o adolescente escreveu um cartaz que dizia: “Demarcação Já!”.
As retomadas são a ocupação das áreas demarcadas por conta própria dos indígenas. A primeira feita pela TI de Comexatibá aconteceu em junho, na Fazenda Santa Bárbara, na cidade do Prado. Um mês depois, começaram as retaliações. No último dia 4, homens em três carros cercaram a ocupação e atiraram às cegas. Gustavo acordou e começou a correr pela plantação de manga, quando foi atingido pelos tiros. Aos 14 anos, morreu. O sonho de ser médico deixado para trás.
Até o momento, os Pataxós do extremo-sul da Bahia organizaram cinco retomadas em territórios demarcados. “Tem uns 2 meses em que a pistolagem se acirrou muito e as comunidades do extremo- -sul da Bahia estão em constantes ataques. Vários grileiros e supostos fazendeiros se uniram para fazer essa contratação de pistoleiros ”, diz Rutian Pataxó, Secretária Geral do Mupoiba.
Pistolagem e massacre de indígenas
O Movimento Unido dos Povos e Organizações Indígenas da Bahia (Mupoiba) recebeu em junho vídeos, gravados pelos “pistoleiros”, em que eles falavam sobre “fazer o que estão fazendo no Mato Grosso”. Nas redes sociais, o vídeo que circulou mostra caminhonetes em comboio numa estrada de terra. “Todos os proprietários rurais se juntando para tirar da Fazenda Brasília os falsos índios, que não são índios.”, diz o homem que gravou o vídeo.
No dia 25 de junho, no Mato Grosso do Sul, aconteceu o que ficou conhecido como o Massacre de Gwapoy. A repressão de policiais militares à retomada deixou pelo menos um morto e 10 feridos.
Na noite da última segunda-feira, pistoleiros invadiram a TI Barra Velha, em um novo ataque à comunidade de Aldeia Nova. A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) alertou que houve outro cerco armado. Vídeos divulgados nas redes sociais mostram mulheres e crianças fugindo para a mata.
Procurado, o Ministério Público Federal afirmou que está apurando os conflitos fundiários e os atos de violência praticados contra comunidade indígena. Os indígenas reclamam da falta de presença dos órgãos públicos no local. Fonte da informação: Metro1.