A farsa de Bolsonaro numa análise do seu pronunciamento na noite de ontem
Ao começar lamentando as mortes dos milhares de brasileiros mortos pela Covid – em razão, inclusive, de suas omissões e negligências –, o ex-capitão assumiu o propósito de estruturar seu discurso com base no sarcasmo. Ele deveria ter feito esse tipo de manifestação em março do ano passado, quando a pandemia se intensificou e o Brasil atingia 201 mortes, já prenunciando que enfrentaríamos a maior tragédia de nossa história. De lá para cá, chegamos a 470 mil óbitos e, nesse interim, o mandatário apenas tripudiou sobre a doença.
Disse, entre outras insanidades, que nada poderia fazer, que não era “coveiro”, “sou messias, mas não faço milagres”, “vai morrer quem tiver que morrer” e “vou comprar vacina na casa da tua mãe”. A sociedade acompanhou chocada suas reações nefastas. Nada fez para conter o avanço do vírus. Pelo contrário, estimulou sua propagação, apoiou aglomerações, criticou o isolamento e combateu o uso de máscaras, entre outras barbaridades contrárias à ciência.
Em sua fala na TV, aliás, o ex-capitão voltou a condenar governadores e prefeitos que defendem as acertadas medidas restritivas para evitar a expansão do coronavírus. Um equívoco que nos coloca no centro da pandemia mundial. Todos os cientistas e autoridades sanitárias do mundo inteiro já demonstraram que a contaminação só vai ceder se houver medidas de distanciamento social, práticas de higiene severas e vacina.
Deve ser execrado por todas suas teses do atraso, como a imunidade de rebanho ou que tudo não passaria de uma “gripezinha”. Sua postura anticiência precisa ter um fim e esse tipo de pronunciamento serve apenas para ele tentar aliviar sua barra na CPI da Covid. Afinal, certamente ele será responsabilizado no relatório final da comissão de investigação pelo conjunto da sua obra, considerada por todos como genocida. Dificilmente conseguirá reverter essa imagem construída por meses de desatinos.
Mais sarcástico em seu pronunciamento, contudo, foi dizer que agora incentiva a vacinação em massa e que seu governo já disponibilizou 100 milhões de doses de imunizantes. Uma clara distorção da realidade. Desde o início, o que ele recomendou mesmo foi a farta distribuição da cloroquina, em substituição à vacina, o único remédio reconhecido pelos imunologistas como capaz de controlar a pandemia.
Se hoje temos vacinas, devemos ao Butantan, do governo de São Paulo, que persistiu no projeto de produzir aqui a Coronavac e dar início à vacinação ainda em janeiro deste ano. Se Bolsonaro não fosse o negacionista que é, poderíamos ter iniciado a imunização em dezembro, antes do resto do mundo. Graças a ele e seu general da Saúde, demoramos muito e muitas vidas se perderam. Muita gente morreu graças a essa negligência.
Em outubro, quando o Butantan ofereceu a vacina a Pazuello e Bolsonaro mandou rasgar o contrato, tínhamos 120 mil mortes. Em janeiro, quando efetivamente o governador João Doria deu início à vacinação, já havíamos chegado a 400 mil óbitos. Esse é o tamanho da irresponsabilidade apurada pela CPI. Afirmar agora que defende a vacina é de um oportunismo indecente.
Chama a atenção também o fato de ele enaltecer nesse enfadonho pronunciamento que seu governo está resolvendo a crise social, destacando o crescimento do PIB. É verdade que o País pode até crescer 5% este ano, mas vale lembrar que no ano passado levamos um tombo de 4,1%. Assim, estamos apenas nos recuperando da gigantesca queda em 2020.
O que é pernicioso é dizer que o País está alcançando melhorias sociais em razão disso. O presidente se esquece que a alta no PIB não solucionará nossos problemas sócio-econômicos e não amenizará a desigualdade descomunal que atingimos. Afinal, a melhoria no PIB ocorre em cima do melhor desempenho das commodities, como minério de ferro e agricultura, atividades altamente mecanizadas e que não absorvem grandes contingentes de mão de obra.
Por essa razão, em maio, registramos um desemprego recorde de quase 15 milhões de pessoas. É fato que no governo Bolsonaro retornamos ao mapa da fome, com mais de 40 milhões de miseráveis. Precisamos é que a política econômica gere maior distribuição de renda e desenvolvimento para todos, com reformas que nos façam crescer de forma consistente. Foram merecidos, portanto, os panelaços registrados em todo o País durante sua fala na TV. O povo está cansado de inverdades e falsidades. Fonte: ISTOÉ